(se existem hipóteses geométricas devem existir geometrias hipotéticas)
Também é verdade que o homem invisível é um geômetra.
É preciso estar no palco, no centro equidistante das atenções, para efetivamente não ser notado.
Pois a invisibilidade não é realmente um atributo de objetos não visíveis. É apenas aquele espaço entre os olhares em que nada foi ainda redimensionado.
Digamos: para descobrir o ângulo exato em que duas retas não paralelas se encontram, às vezes, é preciso prolongá-las (se é que as retas paralelas não se encontram…). As retas são feitas de pontos.
Entre dois pontos, sempre cabe mais um: é um infinito.
Que maravilhosa imaginação aquela que prolonga as retas de um poema e descobre um ângulo preciso em outro poema.
No espaço entre dois versos, ainda que não sucessivos, cabe sempre mais um. E uma rima pode fugir da estrofe e fazer um voo arqui-hipotético e vir parar do lado de fora da métrica.
Geometrias hipotéticas são uma estética do que poderia ser, do quase, do talvez por dentro do nunca. Não coordenam o mundo do real, mas bem podem ser a arquitetura das possibilidades.
O cosmos é tudo que for o caso.
Certa vez, andando pelas ruas da metrópole, naquela hora precisa em que tudo evapora, segredei aos ouvidos de um mendigo um pouco de meus abismos e amores.
Ele solucionou o problema com uma lenda, tradição mítica da noite, que começava assim: Era uma vez um homem invisível que vivia entre dois mundos – o do amor e o da morte. Por não se decidir ao certo a qual desses mundos pertencia, tinha uma mania crepuscular: só conseguia sonhar se estivesse acordado, só estava acordado quando estava sonhando…
Acendi um cigarro e perguntei para ele: Mas e daí?
Ele respondeu: Os homens invisíveis dormem de dia e acordam de noite. A noite é o abismo da escuridão e a luz da paixão. Mas, dizem os sábios, todo homem invisível morre e revive a mesma noite – todas as noites…
Perguntei se ele entendia de geometria.
Ele acendeu um cigarro, volteou nebulosas na minha cara, e me perguntou se eu
ainda
ficava procurando por ela todas as noites.
Entre abismos e paixões, um homem invisível voltava mais uma vez para casa para calcular axiomas, criar retas improváveis, imaginar ângulos e procurar por aquele verso infinito sobre uma garota que ele jamais encontraria.