Por: Editorial Ateliê
Por Renata de Albuquerque
Primeiro volume da série “A Trilogia da Invisibilidade”, livro de Rodrigo Suzuki Cintra reúne poemas que são metáforas da invisibilidade, criando, nas palavras do autor, sentimentos e percepções que estão por trás das palavras. “Para mim, a poesia é a arte de fabricar, de simular, de blefar, de criar sentimentos”, explica Cintra, que é filósofo, escritor e professor. Professor universitário, em seus artigos Cintra se debruça relações entre filosofia, política, arte e direito. A seguir, ele fala ao Blog da Ateliê sobre sua estreia na poesia.
Qual a razão do título Geometrias de Cosmos, já que “O homem invisível é um geômetra”?
Rodrigo Suzuki Cintra: Exatamente pelo fato do homem invisível ser um geômetra, e eu ser esse homem, que eu pude escrever um livro intitulado “Geometrias”! O título se refere ao meu modo de fazer poemas.
Penso no espaço das palavras no papel, na inversão de sentidos dos termos, em métricas improváveis que obedecem a regras que só eu posso ver, em rimas que se prolongam em expressões, qual equações, para fora do texto. Meu livro é um exagero de cálculo. Só que ele não pode matematizar sentimentos; esses estão para além das coordenadas e abscissas do mundo físico que habitamos. Os sentimentos que me interessam, que permeiam o “Geometrias de Cosmos”, estão no tempo da delicadeza, na sombra que o sol produz em uma flor.
O livro é o primeiro volume de uma série. Os outros volumes desta série já estão escritos? Qual o mote ou o fio condutor que ligará os volumes?
RSC: A série tem o seguinte título: “A Trilogia da Invisibilidade”. O volume “Geometrias de Cosmos” é o primeiro a ser publicado em formato livro. O segundo está sendo publicado em paralelo na internet com o título “A Galeria Invisível” e, por enquanto, está disponível no meu Blog (Blog do Rodrigo Suzuki Cintra) e no site da Revista Zagaia. O terceiro componente do projeto é um livro de ensaios, alguns deles já veiculados em revistas de literatura e jornais (Revista Sibila e jornal Valor Econômico).
O projeto “A Galeria Invisível” corresponde a um conjunto de ekphrasis de obras dadaístas e surrealistas. O exercício é de exatidão na descrição das obras de arte, conforme as regras da antiga técnica grega (ekphrasis), só que com o traçado, ritmo e imaginação próprios do dada e do surrealismo. Infelizmente, para a fruição correta do projeto, é preciso ter as obras em mente, com suas imagens juntas ao texto, para lermos seus capítulos. Como os direitos autorais somam montante vultoso, não é possível ainda no momento, publicar em formato livro esse exercício de escrita.
O mote central a conectar os três textos é a metáfora da invisibilidade. No “Geometrias de Cosmos”, trata-se de criar sentimentos e percepções que estão por trás das palavras. No “A Galeria Invisível”, inventar sentidos e significados que estão por trás das imagens. E, no livro de ensaios, fabricar conceitos nas lacunas de outros conceitos.
De que maneira sua formação em filosofia influencia em seu fazer poético?
RSC: Deleuze e Guattari, no livro “O que é a filosofia?”, dizem que “a filosofia é a arte de formar, de inventar, de fabricar conceitos.” Pois bem. Para mim, a poesia é a arte de fabricar, de simular, de blefar, de criar sentimentos.
Estudo filosofia e arte em geral. Percebi que ambas chegam nos lugares do conhecimento em que a razão e a emoção dão sentido a nossa existência. Mas, o que mais me influenciou, vindo de formação filosófica no estilo uspiano, foi um rigor na utilização das palavras.
No poema “O Delírio de Renatus Cartesius”, ou seja, a alucinação de René Descartes, que por sinal, além de filósofo foi matemático geômetra, tento filosofar, de maneira jocosa sobre o famoso cogito cartesiano, mas, se por um lado, respeito às palavras profundamente, como aprendi nos bancos da faculdade de filosofia, por outro lado, proponho que tenham significados escondidos nas sombras de sua enunciação.
Este é seu primeiro livro de poesia, certo? Quais foram os desafios para escrevê-lo?
RSC: Publiquei livros acadêmicos antes desse novo projeto. Os desafios são bem diferentes dos que sempre enfrentei, quando o caso foi de escrever poemas:
Na abertura do livro, há uma imagem de Newton, de Blake. Além disso, há toda uma seção do livro chamada Shakespeariana e uma citação de Poe, que abre o volume. Qual sua ligação com a língua inglesa e a literatura produzida por anglófonos?
RSC: A citação que abre o “Geometrias de Cosmos” é de E. A. Poe, uma tradução que fiz do poema “A dream within a dream” (Um sonho dentro de um sonho). Coloquei como epígrafe de todo o livro porque acredito que propicia uma tonalidade existencial, certa propensão, que muito me agrada induzir no leitor logo nas primeiras páginas. Se é verdade que a presença de autores de língua inglesa se faz notar com evidência, admito que a angustia da influência é maior ainda. Existe um poema intitulado “Assemblage nº0” no livro, por exemplo, que tenta criar significado a partir da Divina Comédia, de Dante (italiano) e de Um Lance de Dados, de Mallarmé (francês). Na verdade, é quase que como uma proposta intermediária de dois modos de fazer poesia.
Mas, de volta a pergunta, minha relação com a literatura inglesa é intensa. Estudei a obra de Shakespeare na Universidade de Cambridge e o título de minha tese de doutorado na USP é “Shakespeare e Maquiavel – a tragédia do Direito e da Política”. No “Geometrias” fiz um pastiche de T. S. Eliot no poema “O nome das mulheres”, transcriação de “O nome dos gatos”, desse autor que gosto tanto. Estou preparando um livro de traduções minhas de poetas de língua inglesa. Já estão na gaveta, traduzidos, alguns poemas de W. B. Yeats, W. H. Auden, e. e. cummings, W. Blake, D. Thomas entre outros.
Há no volume a seção “Mulheres Invisíveis”. Pode, por gentileza, falar um pouco sobre ela e como foi idealizada?
RSC: São poemas, propostas hipotéticas, sobre algumas mulheres que passaram por minha história sentimental e que como estrelas passageiras, iluminaram e deram sentido por algum tempo a minha vida, mas, depois, se apagaram e desapareceram na escuridão de minha existência.
O livro abre com um texto em que se misturam sonho e vigília; com uma reflexão sobre como o tempo impacta o período do sono. De que maneira isso se liga ao seu fazer poético (dado no trecho final: “No invisível das palavras, quando o lado detrás das letras sugere o sentido que o verso segredou, no compasso da escuridão que dá forma à luz, em algum lugar entre sombras de estrelas passageiras e o brilho eterno daquele sentimento, é o tempo da delicadeza: fundo a minha poética”)?
RSC: O livro começa na capa e termina na quarta-capa. Foi pensado em sua completude. Não é apanhado de poemas, ele se quer obra. Os dois textos de abertura dos poemas, “O Tempo desses Poemas” e “O Espaço desses Poemas”, são prosas poéticas, escritas do meu jeito.
Agora, a reflexão entre sonho e vigília tem um motivo crepuscular. Somente escrevo de madrugada. É uma regra de composição. E, como podem ler no meu livro, uma boa regra para a leitura.
Estou mais vulnerável de madrugada, geralmente. Devia estar dormindo após o dia de trabalho, mas, é um excelente momento para sonhar as ilusões mais soltas. Dormir enquanto se está sonhando, me parece, nessas horas, um verdadeiro desperdício.
O fazer poético que proclamo, seguindo a pergunta enunciada, poderia ser o de olhar para o céu e ver as estrelas ao meio da escuridão da noite. Prefiro olhar para dentro, na escuridão de meus abismos, e encontrar alguns brilhos, mesmo que de estrelas passageiras. Daí…, começo a escrever.
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