Rodrigo Suzuki Cintra

Diagnóstico Preciso

Sob a ótica da “Relatividade”, trabalho gráfico de M. C. Escher.

Mão com globo refletido – M. C. Escher

 

Cheguei, como de costume, atrasado para a sessão. Claro que não gostava, nem um pouco, de ir lá uma vez por semana. Entretanto, meus hábitos e comportamentos, pelo que diziam, exigiam intervenções especializadas. Os rumores inventaram que sou um homem doente.

Ele estava me esperando. Nunca perguntava o motivo de minha demora. Sempre depois do horário agendado, a verdade é que eu atrasava de propósito. Queria ver se ele me recriminaria pela falta de pontualidade. Também existe um prazer estranho em levar repreensões por atitudes antissociais meticulosamente calculadas. Nas nossas conversas, invariavelmente, a fala é somente minha. Tudo se passa como um monólogo enfadonho e repetitivo. Não é bem, então, o que se poderia chamar de uma conversa. Se bem que isso pouco importa. Tenho o hábito de falar em voz alta sozinho. Sabia que aquela seria a nossa última sessão. Definitivamente, já não aguentava mais aqueles truques intelectuais baratos e, além disso, no fundo, tudo que bastava era só eu não querer aparecer mais. Avisei, por educação, mas sem maiores explicações, que seria nosso derradeiro encontro. Ele concordou. Não falou nada. Somente assentiu movimentando a cabeça para cima e para baixo. Para cima. Para baixo. Para cima, para baixo: duas vezes. A técnica era a mesma de sempre. No entanto, eu decidira fingir, pela última vez, simulando um interesse genuíno pelo meu próprio caso, que me importava com aqueles atendimentos que tinham o objetivo de me tornar uma pessoa saudável. Ninguém pode conhecer melhor nossos abismos do que nós mesmos quando desafiamos o espelho.

– Doutor, diga-me com franqueza, por favor. Qual é o seu diagnóstico? – perguntei. Como se a doença que me acusavam fosse passível de enquadramento nos manuais mais respeitados da análise clínica, e toda a minha singularidade não passasse apenas de uma enfermidade corriqueira, tipificada nas catalogações bibliográficas que preenchem as estantes dos especialistas de ofício.

Ele me olhava direto nos olhos, porém, não parecia querer falar. Obviamente, eu já havia previsto isso. Mas, não estava certo sobre quem olhava de fato para quem. É incrível como a posição do observador fundamenta a verdade que institui o sujeito. Decidi, então, pressionar um pouco. Isso poderia me ajudar a desmascarar aquele perito em tratamento de indisposições do espírito, o alienista moderno típico, investigador e curandeiro de almas, e demonstrar minha saúde, de modo que ficasse completamente evidente a desnecessidade dos encontros. 

– Já venho aqui há muito tempo. Acho que o mínimo que o senhor poderia fazer é ser sincero comigo.

Então, ele respondeu de uma maneira que pareceu especialmente pausada em cada sílaba. 

– Você é um impostor!

Resolvi investigar melhor a afirmação. Era a nossa consulta final, e, a bem da verdade, aquela era uma tese um pouco estranha. 

– Mas, doutor, por que diz isso?

A afirmação veio prontamente e sem titubear dessa vez. 

– Você anda se fazendo passar por você mesmo!

Não repliquei. No entanto, antes de sair pela porta, sem dizer adeus, estendi a mão para um cumprimento firme, apropriado à solenidade da ocasião. Nossa derradeira saudação foi inesperadamente suave, como duas mãos trabalhando meticulosamente em um trabalho gráfico, cooperando mutuamente para compor um desenho numa mesma folha de papel em branco. Paradoxalmente, apesar de estarmos em perspectivas meio opostas, parecia que uma mão preenchia a outra de maneira perfeita. Desci pelo elevador, três andares. Fixei minha imagem, durante o movimento, no espelho do ascensor. Qualquer dia desses, talvez, devesse cortar a barba mais rente, pensei. Pareceria até esse meu interlocutor de todas as semanas que nunca descuidava de estar bem barbeado como um militar que ainda não chegara à alta patente. 

O sol da metrópole me incomodava um pouco. Atravessei a rua fora da faixa de pedestres. Por precaução, olhei para os dois lados da via diversas vezes antes de cruzar para a calçada oposta. Um lado. O outro. Um lado, o outro: várias vezes. Caminhei. Dobrei a primeira esquina à direita. Não pensava em nada de especial. Sem direção específica, andava a pé somente com o objetivo de ir para o mais longe possível daquele pequeno prédio vermelho de frequentação habitual. Tornei a virar à direita. Nesse momento, na esquina, surgiu uma ideia: talvez parar em algum boteco qualquer. Um bar sujo da região. Dobrei à direita. Observava detidamente o efeito da sombra dos prédios e das árvores no chão da calçada. As sombras, às vezes, são meio disformes. Se o escuro é certo, os contornos podem ser duvidosos. Pássaros acima e em som. 

Eu escutava cada pio. 

Comecei, também, a olhar fixamente para as pessoas que passavam por mim. Tinha a sensação de que os transeuntes me encaravam com ar de reprovação. Ou, quem sabe, tivessem pena porque eu mancava da perna esquerda. Nasci com uma perna menor que a outra e não caminho normalmente. Além disso, reparei que todos pareciam estar vestidos de preto. A impressão era a de que aqueles passantes formavam um exército de iguais, uniformizados em trajes e ideias contra algum adversário hipotético. Um inimigo comum é a melhor maneira de unir a mente de um povo. Porém, podia ser, também, que estivessem de luto pelo falecimento súbito de alguém importante. Uma comoção nacional. A morte é a forma mais sublime de solidão. Atravessei a rua na faixa de pedestres após virar à direita novamente. Alguns metros, na sombra dos prédios e das árvores, e tudo ficaria bem. 

Eu seria eu mesmo. 

Só podia ser efeito do sol uma certa confusão momentânea. Entrei no prédio. No saguão havia um espelho grande demais para as dimensões físicas daquele espaço interno. Apesar de estar sozinho, fiquei com uma vergonha inexplicável de me olhar no espelho. Subi as escadas. Alcancei o corredor. Ele era longo e estava meio escuro. Não havia luz suficiente para me orientar de maneira confiante, apenas uma fresta um pouco mais a diante. Tive que caminhar pela escuridão encostando as mãos na parede para seguir em frente sem vacilar. Lembrava um túnel estreito. Quando cheguei na porta, não precisei abrir a fechadura com as chaves. Ela estava entreaberta. Adentrei em meu consultório de trabalho de sempre. O espaço em que faço meus atendimentos terapêuticos. Pelo menos, foram só os três andares de todos os dias.

Cheguei, como de costume, atrasado para a sessão.