Rodrigo Suzuki Cintra

Liberalismo e Natureza – A Propriedade em John Locke

Prefácio, por Elza Antonia Pereira Cunha Boiteux

 

Este livro marca a estreia do professor Rodrigo Suzuki Cintra como autor e resulta da sua dissertação de mestrado orientada por Tércio Sampaio Ferraz Jr. Tive o privilégio de acompanhar a sua vida acadêmica, desde a graduação até o doutorado, passando pelo mestrado. Também participei da sua banca para a defesa da dissertação, realizada com brilhantismo.

Durante a graduação na Faculdade de Direito da USP/SP ele fez parte do grupo de aperfeiçoamento de pessoal de nível superior da Capes, conhecido pela sigla PET e coordenado pelo Professor José Eduardo Faria. Os alunos são aprovados após rigorosa seleção e se dedicam em período integral ao estudo e à pesquisa.

Rodrigo foi orador da turma, ao concluir a graduação.

Ao ingressar no mestrado da mesma Universidade, ele foi selecionado para o Programa de Aperfeiçoamento em Ensino (PAE). Fui sua supervisora nesse período, durante o qual ele revelou grandes virtudes para a vida acadêmica. Tanto como professor quanto como pesquisador. Como professor ele transmitia para os alunos o entusiasmo pela busca do saber; como pesquisador ele se destacava entre os demais auxiliares, pela competência com que realizava as pesquisas e tarefas solicitadas.

Rodrigo também concluiu a graduação em filosofia na Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da USP/SP, curso que muito acrescentou à sua formação jurídica, permitindo-lhe unir a filosofia do direito à filosofia política. 

O livro centra-se na filosofia política de John Locke, representante da escola do direito natural que dominou o panorama dos séculos XVII e XVIII. Ao apontar as especificidades do modelo lockeano o autor mostra o que o distancia dos demais modelos jusnaturalistas de Hobbes, Rousseau e Kant. 

Locke elabora um modelo jusnaturalista identificado com o Estado liberal limitado, que se apóia na dicotomia opressão/liberdade. O valor principal desta teoria está na afirmação da “propriedade” como um direito natural fundamental que antecederia a instituição da sociedade civil. 

 

A propriedade como direito natural fundamental abarcaria em si todos os demais sentidos, como por exemplo, a posse sobre as coisas. Além disso, a conservação da propriedade se transformaria no fim último da sociedade civil.

 

Dentro desse sistema o que permite passar da propriedade comum para a propriedade individual é o trabalho, pois o esforço físico que cada homem realiza para adquirir ou transformar um objeto agrega a este um determinado valor. O trabalho fundamenta o direito de propriedade e a lei natural estabelece limites a ele.

Quem pode ser proprietário? É a questão que leva Rodrigo a investigar a elaboração do conceito de propriedade a partir do Primeiro tratado de governo, para concluir a sua análise com o Segundo tratado de governo. A hipótese considerada é a de que o conceito de propriedade serviu de elemento central para Locke elaborar as questões ligadas ao governo civil, à separação dos poderes e ao chamado direito de rebelião. 

Se a obra de Locke se situa no liberalismo clássico do século XVII, por que ela merece ser reexaminada no século XXI? Afirmo que as grandes questões do século XXI ainda se apoiam na clássica questão posta por Locke: quem pode ser proprietário?

 

O estudo dos clássicos conduz a novas perguntas, mais que a novas respostas, e os problemas do século XXI conduzem à seguinte pergunta: quais bens podem ser apropriados? A relevância passa do sujeito para o objeto e leva a questionar se o que é comum pode ser apropriado.

 

A liberdade individual, defendida por Locke, não resolve o problema das desigualdades sociais, nem assegura a justiça das equivalências nas relações de troca. Os valores considerados superiores são desprezados frente às inovações tecnológicas, em função das mudanças culturais nas sociedades de massas.

Definir e conceituar o direito de propriedade é um desafio que se impõe aos juristas-filósofos, pois as grandes questões do século XXI estão vinculadas a este conceito direta ou indiretamente. Cito alguns exemplos para a reflexão do leitor:

 

(i) Podemos falar em direito fundamental de propriedade? Como distingui-lo do direito de propriedade individual?

(ii) É justo sobrepor o direito de propriedade intelectual sobre fórmulas de medicamentos, ao direito fundamental à saúde?

(iii) Os grandes proprietários de terras podem destruir variedades de plantas geneticamente valiosas? Podem diminuir a biodiversidade de nosso país?

(iv) É justo que o ser humano possa impedir o aproveitamento dos seus órgãos, após a sua morte? Em outras palavras, quem tem direito ao corpo pode impedir um transplante que salvaria muitas vidas? 

(v) É justo que proprietários do capital detenham sempre o poder supremo sobre as empresas? Qual a função social da propriedade?

O conceito de propriedade ainda sustenta a lógica da acumulação no século XXI. Para repensá-lo, adequando-o ao principal direito fundamental – de existência da espécie humana – é necessário retornar às fontes clássicas, como demonstra o autor. 

Finalmente, entendo que a visão conjunta da filosofia política e da filosofia jurídica desenvolvida pelo jovem autor, não é uma alternativa para um capitalismo em crise, apenas, mas, principalmente, uma alternativa para uma democracia integral que assegure meios de vida, igualdade, solidariedade, busca da felicidade, idoneidade e bem comum.

 

Não preciso dizer mais. Convido-os à leitura.

Elza Antonia Pereira Cunha Boiteux
Professora Doutora da Faculdade de Direito da USP

Trecho de Liberalismo e Natureza – A Propriedade em John Locke

 

“A originalidade de Locke foi a de, adaptando certos conceitos jusnaturalistas, formular uma concepção de Estado liberal que, talvez possamos afirmar, até hoje está em vigor. Neste tipo de Estado, as contradições e desigualdades são mascaradas como se os direitos civis fossem de fato universais, quando, na verdade, não o são. Estes direitos operam formalmente e não materialmente. Acreditamos ter demonstrado como essas contradições atuais já podiam ser encontradas no texto da teoria político-jurídica de Locke, no século XVII, nas origens do liberalismo” (pg. 192)

 

Rodrigo Suzuki Cintra

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