O crítico de arte tem a boca cheia de dentes.
Está, por função, sempre pronto para morder, mastigar e triturar a obra dos outros.
Porém, já não fala quase nada que preste de verdade. Sua boca está coberta por um papel que o deixa na maioria das vezes calado e, como ele não se arrisca a falar sobre nada novo, esse papel parece estar grudado meio que definitivamente. De qualquer modo, o papel está plenamente incorporado a seu modo de ser e a sua profissão.
É verdade que, vez ou outra, ele faz uma crítica mais contundente. Pensa que quando escreve o mundo inteiro deve parar para lê-lo, que suas opiniões podem realmente fazer alguma diferença. Talvez por isso a sua língua, às vezes, se projeta para fora da boca, furando o papel, e dá ao crítico certo ar zombeteiro. Este truque pode até mesmo enganar os outros. Certamente que se o crítico de arte se dispôs a escrever sobre alguma obra, ele deve ter algo a dizer.
Seus olhos, no entanto, denunciam as suas limitações. Há muito que estão cobertos por papéis também.
Talvez isso signifique que ele não pode enxergar mais longe, que está cego para a verdadeira arte. Mas, o crítico de arte disfarça muito bem. Ele desenhou, por cima dos papéis que o impedem de ver corretamente qualquer coisa, olhos sinceros e prudentes.
A impressão que seu semblante passa é realmente interessante. Ele adicionou aos dentes desenhados na boca coberta, na língua ferina, nos olhos sinceros de papel, no cabelo curto e na barba absolutamente bem feita, sem nenhum resquício de pelos, um nariz de homem confiante.
O nariz é um elemento essencial para o mundo da arte. Ele tem que ser assertivo, empinado, certeiro, meio que petulante nas horas certas: um nariz abusado. Um nariz que os homens de talento mais que possuir por alguma espécie de benção de nascimento vão construindo e inventado ao longo do tempo. O verdadeiro crítico de arte é sempre um homem que inventou o seu próprio nariz. Mesmo que para isso, tenha feito uso de fotomontagem.
O crítico de arte maneja um lápis desproporcional como se fosse uma espada. Acredita, profundamente, que sua escrita pode analisar e descrever por completo a obra de um artista qualquer. Crê, aliás, que compreende perfeitamente todas as formas de manifestação artística e que seu nariz de homem de talento pode garantir respeitabilidade. O faro para a verdadeira arte nunca lhe foge. Assim, em breves notas de jornal, pensa poder orientar os homens menos avisados para os caminhos e descaminhos da arte.
Mas, seu terno bem cortado, exigência da última tendência da moda, contrasta com uma posição menos civilizada, menos coerente e, sem dúvida, muito invejosa.
É claro que não se trata do pensamento imbecil de que a crítica de arte é inferior à arte propriamente dita. O crítico de arte prontamente e com razão desmontaria esse discurso com a maior facilidade.
Porém, às vezes, uma postura mais irreverente o toma de assalto e ele pensa ter mais brilhantismo do que efetivamente possui. Nesses momentos, é claro que as notas bancárias dobradas em seu colarinho, um pouco escondidas pelo seu aspecto confiável, fazem toda a diferença. E aí o crítico de arte pode escancarar aquela boca cheia de dentes, furar o papel que o deixava calado com uma língua insolente.
Então, felizmente para nós, o crítico de arte tem o amor e o ódio afiados na ponta do lápis.
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